quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

As escolhas de São Paulo

ODED GRAJEW
TENDÊNCIAS/DEBATES
A sociedade precisa decidir se procurará pagar menos imposto e se conformará com a desigualdade, ou se usará sua riqueza para ajudar a reduzi-la
São Paulo é a cidade mais rica do Brasil. Não obstante, apresenta vergonhosos indicadores de desigualdade e carência. Dos 96 distritos da cidade, 31 não possuem hospital, 38 não têm parque e em 44 não há uma biblioteca pública sequer.
A diferença entre os indicadores do melhor e pior distrito chega em inúmeros casos a milhares de vezes. Cerca de 170 mil crianças estão à espera de vaga em creches públicas e 1,3 milhão de pessoas moram em favelas. O paulistano passa em média quase um mês por ano no trânsito.
O Irbem (Indicadores de Referência do Bem-Estar nos Municípios), uma pesquisa realizada anualmente pela Rede Nossa São Paulo para avaliar a qualidade de vida na cidade, mostra que, dos 169 indicadores pesquisados, 137 têm uma avaliação abaixo da média. Além disso, 55% da população, se pudesse, mudaria de cidade!
Recentemente, a Câmara Municipal aprovou a proposta do prefeito de mudanças na cobrança do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano). Pela lei nº 15.044/2009, o prefeito foi obrigado a atualizar os valores dos imóveis. A valorização imobiliária na cidade desde a última atualização superou 100% --e a atualização feita pela prefeitura foi de aproximadamente a metade.
Se a proposta da administração municipal tivesse sido aprovada, mais de 1 milhão de imóveis seriam isentados de cobrança --um terço do total-- e 8% dos contribuintes, os mais pobres, teriam redução do imposto. Em 61 distritos, os mais carentes, haveria redução do imposto ou aumento médio de no máximo 10%. A cidade toda teria, em 2014, um aumento médio de 14,09%.
A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e alguns partidos políticos (todos financiados por impostos de cuja cobrança não abrem mão) conseguiram barrar na Justiça essa proposta, e a prefeitura terá que se contentar com um aumento linear de 5,6%. Pobres e ricos arcarão com o mesmo reajuste.
Duvido que os autores da contestação judicial e seus familiares frequentem escolas, hospitais, postos de saúde, ônibus e bibliotecas públicos nem creio que o aumento maior do IPTU para a maioria da população de maior renda possa afetar o seu padrão de vida.
Há um justíssimo clamor para que recursos públicos sejam utilizados com ética, competência e responsabilidade. Graças à lei que instituiu o programa de metas podemos cobrar do prefeito o cumprimento das mesmas e também das promessas de campanha.
Graças à Lei de Acesso à Informação (que garante a todo cidadão e organização o acesso a qualquer dado sobre a aplicação dos recursos públicos) e ao poder que tem a Câmara Municipal (especialmente os partidos de oposição) podemos fiscalizar a aplicação dos recursos.
Uma mídia atuante e investigativa, os diversos conselhos da sociedade civil que atuam junto às secretarias e às subprefeituras, o Ministério Público e a sociedade civil possibilitam o controle sobre a aplicação dos recursos públicos.
É só não se omitir exercendo os deveres e direitos da cidadania.
A sociedade paulistana precisa fazer sua escolha: procurará pagar menos imposto e, consequentemente, colocará menos recursos para os serviços públicos, omitir-se-á na cobrança e na fiscalização do governo e se conformará em morar numa cidade extremamente desigual com enormes carências e péssima qualidade de vida, ou exercerá a sua cidadania, fiscalizando a aplicação do dinheiro público, cobrando do governo ética e competência, sendo mais solidária e usando sua riqueza para ajudar a reduzir a desigualdade e oferecer qualidade de vida e bem-estar a todos os habitantes.