quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Frota cresce mais rápido que estrutura viária: Construir mais vias não vai resolver congestionamentos, diz ANTP, que defende melhoria do transporte coletivo

Associação Nacional de Transportes Públicos fez pesquisa em 438 cidades que têm mais de 60 mil habitantes

ANDRÉ MONTEIRODE SÃO PAULO
A frota de veículos nas maiores cidades do país cresceu bem mais que a estrutura viária nos últimos anos.
De 2003 para 2012, enquanto a frota aumentou 92%, a extensão de ruas subiu 16%.
A informação é de pesquisa inédita da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos), que comparou dados de 438 municípios com mais de 60 mil habitantes.
A entidade usou dados oficiais para estimar a frota que efetivamente está em circulação e a quilometragem do sistema viário. O cálculo é baseado no tamanho e no crescimento das cidades e não inclui novas obras como de viadutos, por exemplo.
Segundo o engenheiro e sociólogo Eduardo Vasconcellos, coordenador do trabalho, a malha viária já está estabelecida e cresce conforme o aumento da população.
Com isso, a explosão da frota, principalmente de carros (70%) e motos (209%), explica os congestionamentos cada vez maiores nos grandes centros e que já chegam também ao interior do país.
"Um aumento de 5% da frota causa um impacto muito maior no trânsito, pois a relação entre fluxo e tempo de percurso não é linear. Em cinco ou seis anos a cidade entope", diz Vasconcellos.
Ele avalia que a experiência nos países mostra que a saída não passa por gastar milhões para abrir mais ruas e avenidas, que inevitavelmente vão lotar. Cita como exemplo a cidade de Los Angeles, nos EUA, que tem grande quantidade de vias expressas mas sempre figura entre as campeãs de lentidão.
O caminho, diz, é fomentar o transporte coletivo e, principalmente, acabar com o estímulo oficial concedido ao transporte individual --como a redução de impostos para a compra de novos veículos e subsídio à gasolina.
A pesquisa aponta que a gasolina subiu 38% em dez anos, menos que a inflação de 160% do INPC/IBGE.
"Descontando o gasto com a compra e manutenção, o custo de usar o carro em um mesmo deslocamento é equivalente à tarifa do transporte público nas nossas cidades. Na Europa, essa relação é de cinco vezes", diz.
Para Vasconcellos, a melhoria do transporte coletivo é urgente, mas enquanto "o custo de usar o carro for igual ao ônibus, a maioria das pessoas vai ficar no carro". Folha, 20.08.14

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Brasil sem lixões, já! Nas prefeituras prevalece o entendimento equivocado de que lixão se substitui apenas por aterro. É preciso desfazer esse engano

SABETAI CALDERONI E JOSÉ PEDRO SANTIAGO
O dia 2 de agosto deste ano marcou o fim dos quatro anos concedidos pela Política Nacional de Resíduos Sólidos para os municípios erradicarem os lixões. Dos 5.565 municípios do país, 3.344 não cumpriram a lei. Dos 34 lixões brasileiros, 20 continuam a funcionar, inclusive o Lixão da Estrutural, a 15 km de Brasília, o maior de todos.
O resultado é a contaminação do ar, do solo e do subsolo. Até desmoronamentos e explosões já houve. Pior, há cerca de 400 mil catadores no Brasil. Parte deles trabalha e até mora em lixões, sofrendo frequentes acidentes e doenças. Muitas prefeituras pediram ao governo federal o adiamento, por oito anos, da exigência de pôr fim aos lixões. Por quê? A maioria dos prefeitos alega que é por falta de recursos.
Para compreender esse argumento, é preciso considerar que nas prefeituras prevalece o entendimento equivocado de que lixão se substitui apenas por aterro. É preciso desfazer esse equívoco. A diretriz maior da Política Nacional de Resíduos Sólidos é adotar a reciclagem de forma intensiva e utilizar o aterro só em último caso. Segundo o Banco Mundial, a reciclagem poderia elevar o PIB do Brasil em U$ 35 bilhões e poupar 10 mil Gigawatt-hora por ano.
Adotar a reciclagem em vez do aterro permite não utilizar áreas enormes, cada vez mais raras, mais distantes e mais caras. Um aterro para 100 toneladas por dia custa R$ 52 milhões. Uma cidade de 100 mil habitantes paga cerca de R$ 2,7 milhões por ano para um aterro.
E quando a vida útil do aterro se esgotar, outro será necessário, mais longe que o anterior. Aumenta o custo de transporte, que chega a R$ 550 mil por ano em um município de 100 mil habitantes que fique a 30 quilômetros de distância do aterro.
Mas a vida útil da central de reciclagem nunca se esgota, ela pode ser implantada perto dos locais onde há maior geração de lixo e utiliza área muito pequena, menos de 2% da que um aterro requer.
Os resíduos secos --papel, plástico, vidro, latas de alumínio e de aço--, cerca de 30%dos resíduos domiciliares, são reaproveitados há décadas pelas indústrias, pois geram grande economia de energia, água e controle ambiental, substituindo matérias-primas virgens, muito mais caras. Uma cidade de 100 mil habitantes pode obter R$ 4,8 milhões por ano, só com a venda dos resíduos secos. E a central de reciclagem pode valorizar essas matérias-primas, principalmente plásticos, produzindo os mais variados utensílios. Os investimentos são pequenos e os ganhos enormes.
É preciso também processar a fração orgânica, os restos de comida, 60% do total. Com a compostagem, obtém-se fertilizante para uso em reflorestamento, parques, jardins e, com certos procedimentos, na agricultura. Um município de 100 mil habitantes pode produzir composto orgânico no valor de R$ 1 milhão por ano.
Metade da fração orgânica é água, e pode ser reutilizada após tratamento simples, evitando o custo de transporte e aterramento de um terço do lixo domiciliar. É um absurdo, de fato, gastar tanto para transportar e enterrar água.
Mas os municípios não precisam custear a implantação e operação de centrais de reciclagem. Desde 2004, existe o mecanismo das PPPs --parcerias público privadas: a prefeitura contribui apenas com o terreno, e o parceiro privado arca com os investimentos e os custos operacionais. Há ganhos para todos.
Os Termos de Ajustamento de Conduta entre o Ministério Público e prefeituras ou consórcios de municípios devem contemplar, sobretudo, centrais de reciclagem.
Precisamos de um Brasil sem lixões, com aterros pequenos e muita reciclagem.