segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Dramas e delícias do Carnaval

RAQUEL ROLNIK

O Carnaval de rua desafia a prefeitura a reconhecer a mudança cultural em curso na cidade e a lidar com ela

Nos últimos anos, o Carnaval de rua de São Paulo está vivendo um verdadeiro boom... o número de blocos cadastrados para receber apoio da prefeitura neste ano cresceu bastante em relação ao ano passado: foram 300. Em 2014 foram 200 e em 2013, apenas 60. O notável crescimento do Carnaval de rua faz parte de um movimento mais amplo em curso na cidade, de reivindicação dos espaços públicos e de apropriação de tais espaços como locais de encontro, cultura, esporte e festa.
Esse movimento está presente das fervilhantes calçadas da avenida Paulista ""palco para as mais diversas artes"" aos túneis da região central que, nas noites de fins de semana, viram cenário de festas. Está presente também em praças e parques cada vez mais frequentados e utilizados para diversas atividades, de festas de aniversário a ensaios de grupos musicais, além das práticas esportivas. Trata-se de uma mudança cultural que não apenas transforma os modos de ver e viver a cidade, mas também seus próprios habitantes.
O Carnaval, assim como as festas, encontros e apropriações de espaço que estão ocorrendo, desafia a prefeitura a reconhecer essa mudança e a lidar com ela. Depois de um longo período em que o poder público não apenas fechou os olhos para o Carnaval de rua, mas tentou inclusive reprimi-lo, até mesmo acionando a polícia, nos últimos anos, finalmente, a prefeitura tem tentado planejar e organizar a festa.
A tarefa não é simples. Em bairros como Vila Madalena e Pinheiros ""que concentram a maioria dos blocos, juntamente com a região central"" como conciliar a festa com o sossego demandado pelos moradores? Problemas com o barulho até tarde da noite, a sujeira, o cheiro de urina, a dificuldade de deslocamento por conta das vias interditadas, entre outras questões, opõe moradores a foliões.
Procurando mediar o conflito, a prefeitura neste ano instituiu novas regras para o Carnaval. Os blocos agora deverão encerrar seus desfiles até as 22h e uma festa será organizada no Largo da Batata para os foliões que queiram continuar na brincadeira até mais tarde. Além disso, o número de banheiros químicos foi reforçado e mais equipes de agentes de trânsito e da guarda civil foram mobilizadas para atuar na festa. De acordo com a prefeitura, a limpeza das ruas será realizada à meia-noite, utilizando água de reúso.
Para além dessa, outra questão ainda vai render anos de conflitos: quem paga a festa? Apesar de pressões contrárias de alguns blocos que veem na organização do Carnaval uma fonte de renda, desde o ano passado, está proibida a cobrança de ingressos para acesso a blocos com cordão de isolamento. Ou seja, a rua não pode ser privatizada. Por outro lado, a busca, pela prefeitura, por patrocínio privado para bancar a festa de rua como um todo esbarra em negociações paralelas de alguns blocos com as mesmas empresas.
Tudo isso só mostra que, ao contrário de cidades como Recife, Olinda, Salvador e Rio de Janeiro, que têm larga tradição de convivência com o Carnaval de rua, São Paulo ainda está descobrindo essa experiência. E provavelmente ainda levará alguns anos, entre tentativas e erros, para consolidar sua festa. Folha, 09.02.2015

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